segunda-feira, 9 de abril de 2012

                              TRABALHO DA DUPLA
No dia 02/04/12 eu e minha companheira de trabalho Vitoria Cordovil (aluna especial cursando a disciplina, pois seu curso é Psicologia na Ufpa)  da disciplina Trajetorias do Ser da  professora Wlad Lima apresentamos nosso seminario sobre a vida e obra da escritora paraense MARIA LUCIA MEDEIROS ao qual tem muito de nossas trajetorias no texto da escritora. segue abaixo o texto lido em sala de aula.
Inédito memória de bragança -

São os meses de junho e julho os que mais me fazem recuar no tempo. Bate-me uma nostalgia tão grande e se é grande é porque é também funda, vem arrancando raízes lá de dentro, desequilibrando coisas, terrenos, areais movediços, árvores caídas e folhas ao vento. E a imagem que primeiro se aproxima nessas tardes ensolaradas de junho/julho é a de nossa mãe varrendo as folhas do quintal, varrendo embaixo da mangueira que ficava à esquerda da casa, um pouco ao fundo.
O vento soprando, as folhas caindo e minha mãe varrendo, juntando, tocando fogo naqueles montes de folhas secas amarelecidas.
Nós, crianças, correndo ao redor dali, mordiscando uma goiaba, uma manga,
um caju, chamando um ao outro, nossas vozes como música de fundo daquela cena maravilhosa que éramos nós em volta de nossa mãe.
Mário de Andrade em “Vestida de Preto”, uma história de infância, nos fala de momentos que “fixam a perfeição”. É assim que eu vejo aquelas tardes absolutamente perfeitas. A luz perfeita, a temperatura perfeita, as cores, o ar das crianças, o ar de minha mãe juntando as folhas secas que caíam como chuva no chão. Que grandes dores poderiam desfazer aquela cena? Lágrimas de quem? Em quê pensaria nossa mãe, senão na hora de nosso banho, na sopa que fumegava em cima do fogão de lenha, em nosso pai que estava em viagem pelo interior?
Se caíamos e nos feríamos e chorávamos parecia que brincávamos de sofrer. As crias da casa, as pessoas que minha mãe criava eram outras mães que tínhamos, a nos socorrer e nos curar enxugando nossas lágrimas.
Nessas tardes custávamos a deixar o quintal, a abandonar a brincadeira, a entrar no banho e aceitar a tarde começando a morrer devagar. Rita e Luzanira nos chamavam incontáveis vezes, nossos nomes proferidos na imensidão do quintal e a felicidade era tão maior e elas corriam atrás de nós e até a disciplina virava um momento de brincadeira.
Depois nos vejo sentados, todos nós ao redor da mesa, cabelos molhados e penteados, a roupa limpa cheirando à oriza, a sopa, as brasas incandescentes do fogão de lenha ao fundo.
Eu olhava pela janela aberta para o quintal que se transmudava em escuridão. Para onde mergulhavam meus olhos, em busca de qual mistério?
Acabado o jantar, o tempo em que permanecíamos na grande varanda era muito curto. Folheávamos revistas, recortávamos, arrumávamos nosso livros para o dia seguinte e logo logo cabeceávamos de sono.
Lembro de mim rezando alto a Salve Rainha para que minha irmã mais velha corrigisse algum tropeço.
De novo vem o cheiro de oriza dos lençóis e um imenso armário de cedro a um canto. Semi-adormecida ouvia de longe o Incrível! Fantástico! Extraordinário! no rádio da sala. Era meu pai, era a voz de Almirante, era a Rádio Nacional do Rio de Janeiro nas noites frescas de Bragança.
Para minha irmã Maria Yêda no dia de seu aniversário.
Maria Lúcia Medeiros - Fevereiro de 2003